quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Tazio ( não era em Veneza e sim no Leme)

Ele parecia um cachorro quando a gente solta depois de um dia inteiro preso. Corria, pulava, ria, se atirava nas águas, voltava pra areia, rodopiava. 
Férias. 
Fomos à praia no Leme, só nós dois. A diversão dele era essa, diversão de menino de sete anos, magrelo, comprido e já moreninho do sol carioca. A minha diversão de avó era olhar enternecida pra alegria dele na tarde azul do verão, o mar de pequenas ondas e areias cintilantes.
Veio correndo , molhado e salgado, ao meu encontro na barraca:
-Vovó, olha aquele cargueiro!!
-Onde?
-Lá! Lá longe, vovó. Bem longe...
Acreditei que o vulto cinza no horizonte devia ser  o de um cargueiro, porque disso ele entende muito mais que eu. Distingue mesmo de longe "cargueiros, petroleiros e cruzeiros" e parece que posso ouvir essas três categorias na vozinha dele, agora.
Aproveitei que ele estava perto e pedi que sentasse um pouco na sombra pra beber mate e comer biscoito Globo. 
-Mas eu quero brincar na água!
-Depois você vai. O mar não vai sair daí.
Pausa encerrada, voltou às carreiras pra beira mar.
Havia outras crianças na praia, com bolas, fazendo castelos e buracos na areia, mas ele se divertia sozinho. Falava com piratas invisíveis, enfiava espadas imaginárias nas pequenas ondas, caía sentado, pulava, ria, corria pra lá e pra cá...quando , de repente, parou.
Estático. 
Se deu conta que o Cargueiro passava bem próximo à praia.
Sem sair do lugar, voltou a cabeça para me olhar e verificar se eu também estava participando daquele instante mágico. Eu estava.
-Olha, vovó! Olhaaa!!!
O navio estava carregado de contêiners multicoloridos o que tornava o espetáculo mais bonito ainda na tarde ensolarada. E era realmente colossal. 
O mundo parou na beira d´água praquele menino magrelo. Ninguém na praia parecia se importar. Mas ele ficou ali, parado.
Ergueu a mão direita e acenou de leve. 
Sozinho. 
Pra ninguém. 
Pro navio.
Pro Colosso.
Acenou como se quisesse, de alguma maneira, tocar a maravilha, estar mais perto da maravilha.
Como se quisesse que a maravilha soubesse que ele estava lá aplaudindo o espetáculo. Que pra ele, Cargueiro, você é da maior importância. Ele que te percebeu de longe e que você fez a gentileza de vir dar esse espetáculo só pra ele.
Deu alguns passos lentos para a esquerda, na direção em que o navio rapidamente se deslocava rumo à Pedra do Leme.
E ficou acenando até ele sumir completamente por trás da rocha.
Num momento de puro amor.
Num momento de inocência absoluta.
Num momento em que eu fui a única testemunha de seu estado de graça plena.
Leve e breve memória luminosa encarnada em mim.
Armazenada nas retinas molhadas de emoção para quando, um dia , for necessário dar a ele de presente de volta a imagem da sua inocência.