No grupo havia o Jim Nakahara, que falava melhor inglês e
com quem eu mais me comunicava. Era o produtor do disco. Conversas que vão e
vem, ele me contou que dirigia uma revista só de música brasileira em Tóquio. Tudo começou
quando ele tinha 18 anos e estava ouvindo o radinho em casa enquanto estudava, quando tocou a 'música mais linda do mundo'. A voz do homem que cantava era
celestial, a melodia belíssima e nostálgica, que o mergulhou em um estado de
alma que ele ainda não havia experimentado. Um encantamento, uma necessidade de
ouvir aquilo pra sempre, uma urgência de saber tudo sobre aquela música, da
qual ele não compreendia uma só palavra. Ligou pra rádio. Era um cantor negro,
do Brasil e a música se chamava Ponta de Areia. Durante anos, Jim tentou assistir
a um show do Milton ao vivo, mas sempre se desencontravam. Jim chegava em
Berlim, e o Milton tinha ido embora na véspera. Quando Milton foi a Tóquio, Jim
estava em Paris.
Enquanto eu ouvia o relato, mal aguentava pra dizer ao Jim:
então, my friend, você vai finalmente ver um show do Homem. Esta semana , no
Maracanãzinho, Milton , Wagner Tiso, Novelli e mais uma galera, vão comemorar
20 anos de Travessia. E nós vamos!
E fomos.
Maracanãzinho completamente lotado. Eu , Tica e os Sete
Samurais sentamos na arquibancada bem de frente pro palco. Platéia
enlouquecida, saía de um silêncio abissal enquanto as músicas eram tocadas, para
uma explosão ensurdecedora de gritos, aplausos, assovios, euteamos, silenciando outra vez aos novos acordes. O acender de isqueiros (naquele tempo não
tinha celular, gente...) trazia o céu pro chão. Claro que o Milton cantou
Ponta de Areia à capela. E o Jim Nakahara , do meu lado, chorou emocionadíssimo.
Saímos de lá , Tica , eu e os japas. Entra um, entra dois, entra três, entra
quatro no fusca. O resto pegou um táxi. Viemos cantando pelo
caminho em estado de euforia total. Foi quando um dos Samurais, que não me
lembro mais o nome e que estava sentado no banco do carona, se debruçou metade
pra fora do carro e gritou Huriiiiiiiiishiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!! , bem
quando a gente estava no Túnel Rebouças rumo a Ipanema. E aquele fusca bizarro
passava pelo túnel gritando Hurishiiiii que, pelo que me disseram, significa estou
feliz. Huriiiiishiiiiiiii!!!! Huriiiiiiiiishiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!
Fomos pro Garota de Ipanema, esquina de Vinicius com
Prudente ( Para os antigos, Veloso, esquina de Montenegro com Prudente), que
obviamente estava lotado. Atravessamos a rua e pegamos uma mesa grande num bar
que se chama 'Vinicius' mas que todo mundo chama de Niterói. Porque é do outro
lado. Os Samurais estavam impossíveis. Eram a atração do Niterói.
Cantavam , batucavam, o Japa New Wave fez a sua performance de Paulinho da
Viola. Lá pelas tantas, começaram a cantar o samba da Mangueira do ano anterior:
“ Tem ximxim e acarajé, tamborim e samba no pé..” Daí , re-al-men-te o
bar parou. Sete Samurais cantando, batucando e dizendo: ‘bréque'... é surreal demais , mesmo pro Rio de Janeiro onde ninguém repara em mais nada faz tempo. Na outra mesa
um sujeito comentou com a mulher: Cara, eu acho que eu já bebi demais...
Muito anos depois, uns vinte talvez, num sábado à tarde, eu
estava caminhando pela orla de Ipanema e resolvi voltar a pé pra casa pela orla
da Lagoa. Cortei caminho pela Vinícius. Na frente da lojinha Toca do Vinícius -onde
se vende TUDO sobre bossa nova- tinha um aglomerado de gente, um microfone, uns
músicos, tudo isso na calçada. O dono da loja estava ao lado de um japonês...o
Jim Nakahara! Não mudara nada. Camisa de malha, calça jeans, tênis e o cabelo
comprido amarrado pra trás. No microfone disse que gostava muito da música
brasileira, que era a vida dele. Pedia desculpas por não falar tão bem o
português. Meu coração acelerou. Será que ele vai se lembrar de mim e daqueles
dias malucos? Me arrependo até hoje de não ter ido lá conferir.
http://www.youtube.com/watch?v=aj4U5BvdTII
http://www.youtube.com/watch?v=aj4U5BvdTII
Um comentário:
Pôxa Cris! Vc tinha que ter ido falar com o Jim!!! Bjs. Adoro seus "causos".
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