sexta-feira, 1 de junho de 2012

Os Sete Samurais




Laerte, meu amigo nissei-paulistano-artista-violeiro-corinthiano, estava recebendo 6 japoneses vindos diretamente de Tóquio, para gravar um disco de música brasileira aqui no Rio. O cantor,  eles já tinham e veio junto: um cara jovem, cabelinho espetadinho de gel, camisão verde água com risquinhos gráficos em tons néon, grandes e quadrados óculos de aro vermelho, calça clara e sapatênis. Era a estrela do grupo. Com toda essa pinta new wave, auge da moda em 1987, ele cantava i-gual-zi-nho ao Paulinho da Viola. ‘ Não quero maaaaais...amaraninguém!...”, fazendo um gesto largo com a mão direita e a esquerda no bolso da calça. Além da letra das músicas, ele não falava uma palavra de português. Tinham todos vindo ao Rio por um dilema surgido lá do outro lado do mundo : não havia japonês que conseguisse tocar pandeiro com o ritmo dos brasileiros. Precisavam de um pandeiro autêntico, o tal auxílio luxuoso que já dizia o Melodia. Sem pandeiro, não dá. Como eu entro nessa história? O Laerte me pediu para ajudá-lo na recepção aos japas, que passariam de janeiro a fevereiro aqui, aproveitando também pra irem à Sapucaí ver a Mangueira. Eram TODOS Mangueirenses. Entre uma gravação e outra, eu deveria levá-los a passeios, shows, sugerir restaurantes, coisa e tal. Eu havia trazido comigo de São Paulo o meu fusquinha, meu inseparável e fiel escudeiro, o famoso Boy da Mooca, amarelo manga, ‘c’ôs vidro rrrêibãn e as rrroda de magnésio, mâno!’. Então, era ir colocando o que coubesse de japa dentro do Boy e, o resto ia de táxi atrás, tipo siga aquele fusca.
No grupo havia o Jim Nakahara, que falava melhor inglês e com quem eu mais me comunicava. Era o produtor do disco. Conversas que vão e vem, ele me contou que dirigia uma revista só de música brasileira em Tóquio. Tudo começou quando ele tinha 18 anos e estava ouvindo o radinho em casa enquanto estudava, quando tocou a 'música mais linda do mundo'. A voz do homem que cantava era celestial, a melodia belíssima e nostálgica, que o mergulhou em um estado de alma que ele ainda não havia experimentado. Um encantamento, uma necessidade de ouvir aquilo pra sempre, uma urgência de saber tudo sobre aquela música, da qual ele não compreendia uma só palavra. Ligou pra rádio. Era um cantor negro, do Brasil e a música se chamava Ponta de Areia. Durante anos, Jim tentou assistir a um show do Milton ao vivo, mas sempre se desencontravam. Jim chegava em Berlim, e o Milton tinha ido embora na véspera. Quando Milton foi a Tóquio, Jim estava em Paris. Enquanto eu ouvia o relato, mal aguentava pra dizer ao Jim: então, my friend, você vai finalmente ver um show do Homem. Esta semana , no Maracanãzinho, Milton , Wagner Tiso, Novelli e mais uma galera, vão comemorar 20 anos de Travessia. E nós vamos!
E fomos.
Maracanãzinho completamente lotado. Eu , Tica e os Sete Samurais sentamos na arquibancada bem de frente pro palco. Platéia enlouquecida, saía de um silêncio abissal enquanto as músicas eram tocadas, para uma explosão ensurdecedora de gritos, aplausos, assovios, euteamos, silenciando outra vez aos novos acordes. O acender de isqueiros (naquele tempo não tinha celular, gente...) trazia o céu pro chão. Claro que o Milton cantou Ponta de Areia à capela. E o Jim Nakahara , do meu lado, chorou emocionadíssimo. 
Saímos de lá , Tica , eu e os japas. Entra um, entra dois, entra três, entra quatro no fusca. O resto pegou um táxi.  Viemos cantando pelo caminho em estado de euforia total. Foi quando um dos Samurais, que não me lembro mais o nome e que estava sentado no banco do carona, se debruçou metade pra fora do carro e gritou Huriiiiiiiiishiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!! , bem quando a gente estava no Túnel Rebouças rumo a Ipanema. E aquele fusca bizarro passava pelo túnel gritando Hurishiiiii  que, pelo que me disseram, significa estou feliz. Huriiiiishiiiiiiii!!!! Huriiiiiiiiishiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!! 
Fomos pro Garota de Ipanema, esquina de Vinicius com Prudente ( Para os antigos, Veloso, esquina de Montenegro com Prudente), que obviamente estava lotado. Atravessamos a rua e pegamos uma mesa grande num bar que se chama 'Vinicius' mas que todo mundo chama de Niterói. Porque é do outro lado. Os Samurais estavam impossíveis. Eram a atração do Niterói. Cantavam , batucavam, o Japa New Wave fez a sua performance de Paulinho da Viola. Lá pelas tantas, começaram a cantar o samba da Mangueira do ano anterior: “ Tem ximxim e acarajé, tamborim e samba no pé..” Daí , re-al-men-te o bar parou. Sete Samurais cantando, batucando e dizendo: ‘bréque'... é surreal demais , mesmo pro Rio de Janeiro onde ninguém repara em mais nada faz tempo. Na outra mesa um sujeito comentou com a mulher: Cara, eu acho que eu já bebi demais...
Muito anos depois, uns vinte talvez, num sábado à tarde, eu estava caminhando pela orla de Ipanema e resolvi voltar a pé pra casa pela orla da Lagoa. Cortei caminho pela Vinícius. Na frente da lojinha Toca do Vinícius -onde se vende TUDO sobre bossa nova- tinha um aglomerado de gente, um microfone, uns músicos, tudo isso na calçada. O dono da loja estava ao lado de um japonês...o Jim Nakahara! Não mudara nada. Camisa de malha, calça jeans, tênis e o cabelo comprido amarrado pra trás. No microfone disse que gostava muito da música brasileira, que era a vida dele. Pedia desculpas por não falar tão bem o português. Meu coração acelerou. Será que ele vai se lembrar de mim e daqueles dias malucos? Me arrependo até hoje de não ter ido lá conferir.

http://www.youtube.com/watch?v=aj4U5BvdTII

Um comentário:

Gladys disse...

Pôxa Cris! Vc tinha que ter ido falar com o Jim!!! Bjs. Adoro seus "causos".