terça-feira, 30 de abril de 2013

Cartas nunca enviadas

http://www.youtube.com/watch?v=x6KkJ6-Ecxw

Carta à amiga (1986, São Paulo)



Quase cometi um desatino e te telefonei aí nas Alemanhas, right now. Precisava, na verdade , que estivesses  no apê da Leandro Dupré , para um chá bem dos nossos, à meia luz do abajurzinho da TokStok. Na falta, sento-me – e sinto-me – só, ouvindo a Laurie Anderson, testemunha dessa nossa amizadona, essa geminidade de alma e idéias e de dor, partilhantes da mesma seita, irmandade, clube, sei lá, acima – e abaixo!- do bem e do mal.

O que eu ia te dizer num telefonema internacional?

Que me ocorre que os homens estão perdidos dentro da ORDEM e nós, perdidas dentro do CAOS, Julietas de todos os espíritos, pitonizas de destinos ilógicos, carpideiras precoces do que as multidões só chorarão depois. Choro agora o que só será pranteado mais além, quando meus olhos estarão novamente úmidos, mas por outros novos e insondáveis motivos, não menos justos, porém. A traição por antecipação, pois todos se sentem traídos quando não choramos mais com eles, quando estamos por fim cansadas das lamúrias, e ladainhas, e buscamos, com insana alma, o âmago de outros âmagos, para seguir traindo tudo e todos, indiscriminadamente, por chorarmos o que ainda não é dor para os outros, pobres outros.

Agora as cortinas japonesas das janelas enlouquecem num repentino vendaval que faz rodopiar as samambaias no clarão dos raios. Meu corpo cheira a cigarro e a suor. Sou aquele avião pisca piscando, sim e não, voando no caos dessa chuva de verão.

Não quero a Ordem que já existe e nem quero inventar outra pra mim. Quero saber viver no Caos, salamandra no fogo que não se queima nunca, avião na tempestade que não cai. Ser o Caos, estar no Caos, viver o Caos.

Minha casa vai, aos poucos, se transformando em vazio ex lugar de tudo: flores que juntei distraída pelas ruas, sutiã que estava apertando, batons sem tampa, cartas, cartões, conchas, anéis sem pedras, rendas, fotos – ai, as fotografias...E eu, Pandora às avessas, meto tudo em caixas.Dezesseis anos que guardam-se em algumas poucas caixas empilhadas no canto de uma sala vazia. Como restou tão pouco do tanto que me investi? Amanhã estas caixas estarão ao alcance de estranhas mãos que, desavisadamente, tornarão a empilhá-las no caminhão.

Na vida dele entrei de sola e, agora, saio de mansinho. O beijo deixei lá no espelho, kitsch comme Il faut, a um vero the end de amor.

Amanhã saio daqui correndo.

Quero a estrada livre, ampla, a Rio Santos que me levará de volta pra c-a-s-a.



Carta ao amigo (1988, Rio de Janeiro)



Notícias minhas.

Vou vivendo sem amanhãs, afogada nesta brisa estonteante trazida dos confins em aromas de mares e matas, nos zumbidos das cigarras e sob a atemporalidade constelada dos céus do sul. Finalmente mais Alberto Caeiro do que Álvaro de Campos, se bem que insistindo em ouvir Tom Waits, e as inocências do sonho parecem adquirir seu sabor mais agridoce daqui do alto da minha sacada, ao me deparar com este imenso Eldorado Pantanoso em liquidação, pra acabar, só até sábado.

Fim de milênio e talvez fosse mais sábio baixar a guarda e deixar que o planeta nos redimisse num último e envolvente suspiro, nos aquecesse e nos tragasse para suas profundezas de jasmins e maresias.

Só me resta o céu de cetim azul claro, onde Marte já me aponta seu olho vermelho. Nada se mexe e eu também não: aguardamos o hálito cálido de hortelã e clorofila de uma brisa alucinógena que costuma chegar no exato (?) momento em que escurece totalmente, a embriagar incautos e loucos.

E a sua loucura, como vai?

quinta-feira, 11 de abril de 2013

A Espera

A Espera estabelece novos paradigmas de tempo. Há uma espera que é física, que é temporal:"esperei tantos minutos na fila para ser atendida".
Mas há uma outra Espera que não se relaciona com os ponteiros do relógio nem com o espaço físico de um restaurante ou de um cinema. É a Espera emocional pelo tempo do outro, quando é necessário um ajustamento dos relógios internos, um ajustamento meticuloso nos mecanismos deste 'relógio' emocional interno, para que ele não dispare e para que ele não se atrase. Para que ele possa dar um ritmo preciso às ações amorosas, para que estas não invadam e não se omitam.
Esta espera se relaciona com a eternidade, com a atemporalidade e, o espaço que ela ocupa, é todo o espaço interno do corpo e da alma.
O mecanismo que possibilita o funcionamento deste ajuste interno é o Amor.
Esta Espera é uma das manifestações do Amor.


[Do meu caderninho no.3, "A ESPERA", dia 28 de fevereiro 2013 >>> da série "MAKING OFF DE UMA VIGÍLIA APAIXONADA"]