segunda-feira, 7 de maio de 2012

A Maravilha Dourada


A Baíta tinha o cabelo mais lindo do mundo. Pelo menos para nós, as encaracoladas da classe. Era liso, sem um quebradinho, sem pontas duplas, macio e de caimento perfeito. Reto, pelo meio das costas. O nosso sonho dourado - sim, porque, além de tudo, era dourado, como que salpicado de purpurina.
A Baíta tinha o cabelo mais lindo do mundo. Isso era uma unanimidade incontestável.
Todos os dias, quando acabavam as aulas,ela sacava da bolsa uma escova e escovava a maravilha. Para um lado. Para o outro. Da nuca pra frente. Da frente pra trás. E a maravilha dourada chicoteava o ar na sua lisura perfeita e brilhante, na contraluz do sol que entrava pelas janelas.
Certo dia, estávamos um grupinho a observar o espetáculo, quando uma lembrou que podíamos perguntar o que ela fazia pra que aquele cabelo fosse daquele jeito. Quem sabe um xampú especial, um creme importado do Mercadinho Azul, um procedimento diferente ao lavá-lo. A eleita pra fazer a tal pergunta fui eu. Vai você, vai você. Fui.
Seu cabelo é tão lindo, Baíta... o quê você faz para que ele fique assim tããão...A resposta veio entre uma escovadela e outra. Nada!...eu lavo...e...solto...
Voltei para o grupo com a notícia bombástica. Ela lava e solta. Só??? Só. Era a Graça Divina  mesmo. Estávamos inconformadamente condenadas às nossas touquinhas, alisantes, ferro de passar e ao desespero quando a maresia vinha arrepiar nossos esforços e rapidamente nos transformava em medusas, no meio de uma festa, por exemplo. Se a festa era na Vieira Souto, Delfim Moreira ou Atlântica, ai de nós...
Passaram-se vinte anos. O meu mundo deu tantas voltas que me esqueci quantas foram. Estávamos eu e a Mônica Leite Costa numa fila de cinema em Copacabana quando...não é a Baíta??? Acenos, beijos, sorrisos, abraços, há quanto tempo, você está ótima, vocês também...Mas logo notei uma coisa: a maravilha dourada havia sido cortada e estava...enrolada! Ou permanete ou bigudí, pensei. Nessa época pós hippie, eu tinha assumido a juba de cachos. Baíta pegou um pouco no meu cabelo e disse: Seu cabelo está tão lindo...o quê você faz? Esperei 20 anos mas dei a resposta. Nada...eu lavo e solto...
Hoje, pelas fotos do face, vejo que ela continua com o cabelo mais lindo do mundo, agora com reflexos em ouro e prata.
E eu agradeço todo dia à bendita tecnologia capilar que mantém os meus lisos e macios, podendo igualmente lavar e soltar. Liberdade, liberdade abrindo as asas sobre as nossas arrepiadas cabeças. Sim, porque as drogas dos cabelos brancos não cacheiam mais. Só arrepiam.

A.C.N.

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